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Adriana Pucci Pentado de Faria e Silva
Leitura de produções artísticas: relato de experiência dialógica Adriana Pucci Pentado de Faria e Silva
As ações pedagógicas que motivaram as reflexões presentes neste trabalho inserem-se em dois contextos bastante específicos: 1) O projeto (Multi)Letramentos Acadêmicos e construção de identidades em diferentes esferas estéticas: uma perspectiva dialógica, aprovado pela congregação do Instituto de Letras da UFBA em 2013, com duração prevista até 2016 e 2) A disciplina Leitura de Produções Artísticas, obrigatória na graduação em Letras na UFBA, e as produções dos alunos dessa disciplina no semestre 2014.1, ano em que houve a 3ª Bienal da Bahia em Salvador e outras cidades do estado[1]. O projeto mencionado justifica-se por problematizar a inter-relação memória/construção identitária num momento histórico marcado pela globalização e pela aparente dissolução das fronteiras entre regiões do Brasil. A pesquisa busca recuperar os mecanismos discursivos que definem as esferas artísticas como campo não apenas de difusão, mas de negociação de valores culturais. Consequentemente, a pesquisa desenvolvida fomenta minha ação docente, que busca incentivar a leitura de produções artísticas e a produção de textos acadêmicos sobre elas. O conceito de multiletramentos (Rojo, 2012), presente no título e fundador do projeto inicial, dialoga com os objetivos expostos no programa da disciplina Leitura de produções artísticas, que são os seguintes:
Possibilitar aos alunos o contato com procedimentos de leitura de diferentes modalidades de texto, a partir da identificação dos elementos constitutivos das linguagens visual, sonora e verbal de produções artísticas contemporâneas: literatura brasileira, artes plásticas, shows e concertos de música brasileira, espetáculos de dança e teatro, manifestações culturais e populares, exibições de filmes e vídeos etc. Visa a discutir questões sobre o conceito de arte, seu declínio na contemporaneidade e sua relação com a cultura, bem como sobre o diálogo criativo entre as artes: literatura e música, literatura e cinema, cinema e música, literatura e teatro, teatro e cinema, literatura e artes plásticas etc.
Enfatizo que, para além do diálogo com uma variedade de práticas letradas, o conceito de multiletramento aborda “a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica” (ROJO, 2012:13). Entendendo que a comunicação não é mero envio e decodificação de mensagens, mas negociação de sentidos, a proposta do projeto e da disciplina, quando por mim orquestrada, é a de que, de fato, os discentes exerçam, na interação com objetos estéticos, a autoria do autor-contemplador ou espectador (Bakhtin [192427],2003). Para Bakhtin ([1923-24],1993: 58). “o autor criador é um momento constitutivo da forma artística”, mas não podemos separar essa afirmação da consideração de que “ a forma é expressão da relação axiológica ativa do autor-criador e do indivíduo que percebe (cocriador da forma).” (BAKHTIN,[1923-24]1993: 59). Ressalto, ainda, que as discussões filosóficas de Bakhtin, nos textos citados, têm como foco a criação estética verbal e, por esse motivo, não são conceitos meramente aplicáveis, mas inspiração para uma análise dialógica da experiência docente que será relatada. O que chamo de “relato de experiência dialógica” é minha reflexão sobre relatórios de visita à Bienal da Bahia produzidos pelos alunos da turma P02 da disciplina LET A 31, Leitura de Produções Artísticas, em 2014.2. A pergunta que serviu de fio condutor a todas as exposições que compuseram a 3ª Bienal da Bahia foi a seguinte: “É tudo Nordeste”? A identidade regional, portanto, foi o tema que provocou diálogos entre artista, obras, espaços. Dos 40 alunos que terminaram o semestre, tenho um corpus de 31 trabalhos. Destes, seis propõem análises discursivas da tradução intersemiótica de obras verbais Dos 25 alunos que optaram por relatar sua visita a algum espaço expositivo da Bienal, 22 elegeram como tema a obra Galeria Esteio, de Maxim Malhado, ou obras expostas dentro das casas que constituem essa Galeria. A Esteio foi uma intervenção artística instalada, entre 1994 e 2006, numa propriedade da família de Maxim Malhado, na vila de Sítio Novo, em Catu, a 90 km de Salvador, no litoral norte da Bahia. Era formada por casas de taipa destinadas a abrigar exposições temporárias. Foi definida por Alejandra Munõz, curadora-adjunta[2] da Bienal da Bahia, como “uma das experiências artísticas e institucionais mais significativas do Nordeste” (Muñoz, 2014, p.1). Reconstruída na área ao ar livre da Escola de Belas Artes da UFBA, a Esteio trouxe para uma área “nobre” de Salvador o discurso do Nordeste do interior e da escassez de recursos para muitos que por lá passaram, visitando a exposição ou não. Nos recortes dos trabalhos que elegi para análise, identifiquei a presença desse discurso, em trechos de depoimentos bastante pessoais, aliados ao discurso acadêmico, de retomada de autores citados e enunciados concretos que circularam durante o semestre. A apreciação estética, assim, foi pautada por uma indissociabilidade entre as esferas ética e cognitiva. Veja-se, por exemplo, o título de um dos trabalhos: “Isto é uma galeria de arte?”, que traz explicitamente a voz de Celso Favaretto, cujo vídeo da palestra “Isto é arte?” foi estudado em sala de aula. A autora do trabalho resgata teóricos estudados, mas não se atém a eles, registrando os sentidos de sua interação com a obra, marcados pelo uso de verbos e pronomes em primeira pessoa e de adjetivos que acionam sentidos bastante subjetivos:
A minha experiência particular com a Galeria Esteio foi surpreendente e muito impactante, devido a essa quebra de paradigma, a esse contraste causado pela transposição de um espaço interiorano, do qual fiz parte por muito tempo e por isso me familiarizo, para área urbana, [...] para um ambiente em que ele passa a ser valorizado de outra forma, apreciado com outros olhos, porque ganha status de arte, algo que seria impensado por mim, até bem pouco tempo.
Em minha apresentação, trarei outros trechos em que se percebe a presença do ético, do estético e do cognitivo nos relatos dos alunos. Destacarei, ainda, a presença de vozes do mundo das Artes Visuais, como Marepe e Duchamp nos trabalhos dos alunos. Para finalizar, apresentarei uma das obras que foram expostas na Esteio, As Psicletas em Liberdade Desbandeirada, de Zuarte Junior, sinalizando que o aspecto que mais marcou, em minha apreciação pessoal, a identidade nordestina da obra não foi sequer mencionado pelos alunos que a elegeram como tema do trabalho final.
Referências BAKHTIN, Mikhail. [[1923-24]. O problema do Conteúdo, do Material e da Forma na Criação Literária. IN. ___ Questões de Literatura e de Estética. A teoria do romance. São Paulo: Unesp/HUCITEC, 1993. p. 15 a 70. ____[1924-1927] O autor e a personagem na atividade estética. In Estética da Criação Verbal. (trad. Paulo Bezerra). 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.3-126. MUÑOZ, Alejandra. Texto sobre Maxim Malhado, sem título. IN. 3ª Bienal da Bahia. Jornal de um só dia. Edição única. 2 de junho de 2014. ROJO, Roxane. Pedagogia dos multiletramentos. In: ROJO, Roxane e MOURA, Eduardo Multiletramentos na Escola. São Paulo: Parábola, 2012.p. 11-31. < https://catracalivre.com.br/salvador/agenda/gratis/esteio-galeria-de-arte-ganharemontagem-na-3a-bienal-da-bahia/ >. Acesso em setembro 2015.
[1] Como mencionei no trabalho apresentado na IX Jornada, “A 3ª Bienal da Bahia aconteceu em 2014, de 29 de maio a 07 de setembro e abrangeu mais de trinta espaços expositivos, em Salvador e em diversas cidades do interior da Bahia. A importante exposição retomou uma cadeia discursiva brutalmente censurada em 1968, quando, dois dias após a abertura da 2ª Bienal da Bahia, no Convento da Lapa, em Salvador, os militares forçaram o fechamento da mostra e permitiram a reabertura do espaço após um mês, sem obras consideradas subversivas. O tema da edição de 2014 foi a indagação “É tudo Nordeste?, que perpassou todas as ações curatoriais e provocou os artistas participantes a lidarem com a construção discursiva que marca a região.” [2] Os curadores-chefes da Bienal fora Marcelo Rezende, Ana Pato e Ayrson Heráclito. |
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